E se o vídeo que publicaste online não fosse exatamente o que criaste? Em 2025, o YouTube revelou que usou inteligência artificial (IA) para editar vídeos sem o consentimento ou conhecimento dos criadores, levantando questões sobre confiança e autenticidade. Estas alterações, aplicadas a YouTube Shorts com IA, são subtis, mas suficientes para gerar desconforto entre criadores e reacender o debate sobre como a IA molda a nossa perceção da realidade. Como esta prática afeta a conexão com o mundo real? Vamos explorar este fenómeno.
Alterações Invisíveis com Impacto Visível
Criadores como Rick Beato, com mais de cinco milhões de subscritores, notaram algo estranho nos seus vídeos. “O meu cabelo parecia estranho, quase como se estivesse a usar maquilhagem”, disse Beato. Rhett Shull, outro YouTuber musical, identificou o mesmo problema: rugas nas roupas mais definidas, pele ora mais nítida ora suavizada, e até distorções em orelhas. Estas mudanças, quase impercetíveis sem comparação direta, foram confirmadas pelo YouTube como parte de um experimento em YouTube Shorts com IA, usando técnicas de machine learning para desfocar, reduzir ruído e melhorar a clareza. O resultado? Um efeito artificial que, para alguns, compromete a autenticidade do conteúdo.
A Reação dos Criadores: Confiança em Jogo
A falta de transparência do YouTube gerou críticas. Shull, cuja análise sobre o tema atingiu mais de 500 mil visualizações, expressou frustração: “Se quisesse este excesso de nitidez, eu próprio o teria feito. Isto deturpa quem sou online.” Para criadores, a confiança do público é essencial, e alterações não autorizadas podem abalar essa relação. Desde junho de 2025, queixas em redes sociais apontavam para estas edições, com imagens comparativas a circular online. A confirmação do YouTube, através de Rene Ritchie, veio tarde, e a ausência de uma opção inicial para recusar as alterações intensificou o descontentamento.
IA como Filtro da Realidade
O caso do YouTube reflete uma tendência maior: a IA está a tornar-se um mediador invisível da realidade digital. Tal como os smartphones modernos usam IA para melhorar fotos e vídeos, plataformas como o YouTube aplicam estas tecnologias sem aviso. Samuel Woolley, especialista em desinformação, critica a falta de consentimento: “Nos telemóveis, podes escolher ativar ou desativar estas funções. Aqui, uma empresa manipula conteúdo sem permissão.” Ele questiona o uso do termo “machine learning” pelo YouTube, sugerindo que é uma tentativa de suavizar o impacto do termo “IA”. Esta prática levanta preocupações sobre como a realidade digital mediada pode distorcer a nossa perceção do mundo.
Um Debate com Raízes Antigas
A manipulação de imagens não é nova. Há décadas, revistas retocavam fotos de celebridades, gerando críticas, como quando Kate Winslet contestou a edição da sua cintura numa capa da GQ em 2003. Mais recentemente, filtros automáticos no TikTok e no iPhone causaram polémica. Contudo, a IA amplifica este fenómeno. Exemplos como a ferramenta Best Take do Google Pixel 10, que cria fotos de momentos que nunca existiram, ou o zoom de 100x gerado por IA, mostram como a tecnologia redefine o que consideramos real. Jill Walker Rettberg, professora da Universidade de Bergen, compara: “Uma pegada na areia prova que alguém esteve lá. Com IA, o que garante a autenticidade?”
O Futuro da Autenticidade Online
O YouTube prometeu uma opção de opt-out após a reação dos criadores, mas o caso expõe tensões maiores. A realidade digital mediada por IA, como no caso dos YouTube Shorts, levanta questões éticas sobre transparência e controlo. Enquanto alguns, como Beato, veem o YouTube como uma força positiva, outros temem que a edição não autorizada erode a confiança. Num mundo onde a IA pré-processa cada vez mais o que vemos, a linha entre realidade e manipulação torna-se mais ténue. Este episódio sublinha a necessidade de maior transparência para preservar a autenticidade online.